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Impressão artística de Proxima b, onde pode haver vida semelhante à humana | Foto: M. Kornmesser/ ESO/Divulgação

Como tratar uma outra Humanidade?

“Infelizmente, hoje, a espécie humana tem uma compreensão e uma avaliação inadequadas do meio ambiente espacial, e esse problema deve ser resolvido antes que os exploradores se estabeleçam na fronteira final.”
Mark Williamson, em Space: The Fragil Frontier, 2006, p. 25.(1)

A ideia de partir da Terra à procura de nova civilização, de nova humanidade, ou dos já famosos e ainda duvidosos ETs (extra-terrestres) – mas em planeta similar ao nosso – acaba de ganhar novo impulso e entusiasmo. Equipe internacional de astrônomos anunciou, em 24 de agosto, a descoberta daquele que pode ser o planeta mais parecido com a Terra até hoje identificado.(2)

Girando em torno da estrela Proxima Centauro, relativamente perto do nosso Sol, com temperatura que varia entre 30º C e – 30º C, supõe-se que possa ter vida e, quem sabe, ser habitável por assemelhados aos terráqueos. Batizado de “Proxima B”, é provável que seja a estação central de futuras viagens interestelares, arrisca a conceituada revista Nature, datada de 27 de agosto.(3)

“A busca por vida começa agora”, disse à Nature o astrônomo Guillem Anglada-Escudé, da Universidade Queen Mary de Londres e líder da equipe que descobriu o “Proxima B”. Segundo a revista, esta é a primeira chance da humanidade de explorar um mundo semelhante ao nosso. A distância média entre a Terra e a Proxima Centauri, o sol da Proxima B é de 4,2 anos-luz (265,6 mil uA, unidade astronômica equivalente a 150 milhões de km), enquanto 1 uA é em média a distância entre a Terra e o nosso Sol. O voo de uma sonda atual da Terra até Proxima Centauri, se estivesse na direção correta, levaria algo em torno de 74 mil anos.(4) O plano, para poupar tempo, é construir frotas de pequenas sondas interestelares de propulsão a laser nas décadas vindouras. Viajando a 20% da velocidade da luz, as minisondas chegariam lá em cerca de apenas 20 anos.

Hoje, 4.500 estrelas são visíveis a olho nu, nos dois hemisférios da Terra. É parte ínfima dos incontáveis sóis existentes no universo. Na Via Láctea, três entre quatro estrelas são anãs-vermelhas, com brilho tão tênue que não podem ser vistas sem telescópio. A Proxima Centauri, a menos distante delas, tampouco é visível no céu noturno. Mas é nas cercanias desses astros que os astrônomos hoje presumem ser mais provável encontrar mundos habitáveis.

Precisamente no sistema da nossa vizinha Proxima Centauri detectou-se o novo planeta, que poderá nos dar uma boa noção da natureza e das expressões da vida no cosmos, diferentes ou não das de nosso planeta ou do que seria imaginável tomando a Terra como referência.

É a esperança – agora renovada – de não estarmos sós no Universo.

Saber de outros seres no Universo, além de nós, vai revirar nossas cabeças. Levantará questões inusitadas, atordoantes e, ao mesmo tempo, animadoras para a humanidade terrestre. Vejamos algumas. Estaremos em condições de nos relacionar com seres diferentes de nós? Como lidar com outra civilização, com outra humanidade, se ainda não conseguimos resolver problemas cruciais de toda ordem que afligem nossa própria civilização? Em que bases políticas, éticas, jurídicas, culturais e psicológicas poderá se dar esse relacionamento?

Haverá que conhecer rápida e profundamente com quem estamos tratando. O intercâmbio de informações com outras civilizações poderá enriquecer a nossa.(5) Quem de nós fará contato com os novos seres? Quem representará a nossa humanidade e falará em seu nome nos encontros iniciais? Os cientistas? Os centros de pesquisa? Os governos nacionais? Qual será o papel das Nações Unidas (ONU) e das outras organizações internacionais intergovernamentais? E o das grandes potências, sobretudo aquelas poucas com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU? E o das organizações e empresas internacionais privadas?

Digamos que a espécie contatada está num alto estágio de desenvolvimento. Se for mais inteligente, criativa e amadurecida que nós, pode acabar criticando nosso modo irracional de viver, produzir e consumir, sobretudo os recursos naturais cada vez mais escassos do nosso planeta, destruindo suas fontes de sobrevivência; pode classificá-lo como péssimo exemplo para o Universo e recomendar imediata mudança de rumo. Como reagiremos? Aceitando a crítica e ouvindo sua experiência a respeito, ou rejeitando-a como intromissão indevida em nossos assuntos internos?

E se indagar como aguentamos tanta acumulação de renda e desigualdade social(6), o que dizer, meu Deus? Que isso é normal, que é melhor assim? Tomara não queira saber também quem é esse tal de Mercado sem sobrenome, que manda e desmanda nos principais setores da economia global, nem pedir para conhecê-lo pessoalmente e perguntar sobre suas origens, seu curriculum vitae, suas principais realizações, tentando entender como chegou a um poder tão assustador e incontrolável. Como contar-lhe que o senhor Mercado é servidor abstrato, competente e abnegado de uma pequena elite globalizada, riquíssima e ambiciosa?

A Carta da ONU, base do Direito Internacional, facilitará os entendimentos. Seus princípios, reunidos no Artigo 2, com certeza despertarão respeito e admiração: igualdade soberana de todos os países; cumprimento, em boa fé, das obrigações legalmente assumidas; solução exclusivamente pacífica das controvérsias que ameacem a paz, a segurança e a justiça em todo o mundo; não-uso da força, nem ameaça de uso da força contra qualquer Estado (proibição da guerra); assistência às missões de paz da ONU e não-ajuda aos países contra quem a ONU atue de modo preventivo ou coercitivo; não-interevenção nos assuntos internos dos países, salvo se agredirem outros países, segundo avaliação do Conselho de Segurança.

Mas teremos que explicar à nova espécie por que, por exemplo, o Conselho de Segurança mantém sua velha e obsoleta composição de 70 anos atrás e continua impotente para prevenir e impedir as guerras, tão comuns e habituais hoje em dia, e garantir a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável para todos os países e povos. E igualmente por que seguimos mantendo e modernizando os arsenais nucleares, que contam hoje com 15.850 ogivas, quando algumas já bastam para arrasar o planeta.

Também o Direito Espacial Internacional da Terra pode agradar os forasteiros. O Tratado do Espaço de 1967 – o código maior do espaço e das atividades espaciais, hoje ratificado por 104 países e assinado por 25 outros – já em seu Artigo I, § 1, reza que “a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade”. O espaço, portanto, não é de ninguém. É de todos e está aberto a todos, sem exceções.

Essa é a Cláusula do Bem Comum, pela qual o espaço e as atividades nele exercidas devem beneficiar a totalidade dos países, sem qualquer discriminação, como domínio (province) de toda a humanidade. A Cláusula é completada e reforçada pelo Artigo 2, que determina: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio” Obviamente, não se pode permitir a apropriação de um lugar que deve ser acessível a todos.

O princípio da não-apropriação do espaço, fechado a brechas e lacunas, vale não só para os Estados, mas também para as corporações privadas – que, queiram ou não, são dependentes do governo e das leis nacionais de seus Estados-sede, não adianta espernear –, muito embora usem seu imenso poder global a fim de pressionar cada vez mais para fazer o que bem entendem, livres de Estados, governos, princípios éticos e legislações.

Mas então será preciso informar aos novos seres que o Direito Espacial ainda está longe de tornar ilegal: I) a guerra no espaço, cuja preparação está hoje em pleno andamento; e II) a extração de minerais e recursos naturais dos asteroides e outros corpos celestes por empresas privadas, já sancionada em lei nacional pelo governo da maior potência do planeta, os EUA.

São ações capazes de afetar ireversivelmente tanto o espaço exterior, quanto direitos fundamentais e interesses legítimos de todos os povos.

E se os novos seres decidirem ir embora, prometendo voltar numa época mais propícia ao diálogo e a relações mútuas mais seguras e confiáveis? Não estarão apenas refletindo a crise geral, a raquítica governança global, o desmobilização e a desesperança que reinam aqui na Terra?

O Papa Francisco tem razão: “Precisamos de nova solidariedade universal.”(7) E esse “universal” precisaria ser abrangente, incluindo mais de uma humanidade.

Referências:

1) Mark Williamson, jornalista inglês de ciência e tecnologia espaciais, consultante de programas de tecnologia espacial, autor de mais de 350 artigos sobre a matéria. Seu livro Space: The Fragile Frontier (Espaço: A Frágil Fronteira), publicado em 2006 pelo Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica (AIAA, na sigla em inglês).
2) Nogueira, Salvador, Cientistas acham planeta que pode ser habitável em sistema vizinho, Folha de S. Paulo, Cotidiano, 25 de agosto de 2016, p. 4.
3) Artigo de Alexandra Witze “Earth-sized planet around nearby star is astronomy dream come true” (Planeta do tamanho da Terra girando em torno de estrela próxima é sonho astronômico que se torna realidade). Ver <www.nature.com/news/earth-sized-planet-around-nearby-star-is-astronomy-dream-come-true-1.20445>.
4) Cálculo de Salvador Nogueira; ver artigo citado no ponto 1.
5) Vakoch, Douglas A. (Ed.), Extraterrestrial Altruism – Evolution and Ethics in the Cosmos, Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 2014, p. IX.
6) Stiglitz, Joseph E., O grande abismo – Sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre isso, Rio de Janeiro, RJ: Alta Book, 2016. O autor é Prêmio Nobel de Economia de 2001.
7) Papa Francisco, Carta Encíclica LAUDATO SI’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum, São Paulo: Editora Paulinas, 2015, p. 14.

José Monserrat Filho é Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB)

sobre Michelle Rusche

Michelle Rusche é uma buscadora nata. Através da sua jornada interior vem desenvolvendo o seu propósito em ajudar as pessoas a trilhar o caminho da espiritualidade e do autoconhecimento. Jornalista, educadora ambiental, instrutora de yoga, realizadora do Portal Cosmos, entre outros.

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